domingo, 23 de agosto de 2009

Sobre os filmes

Dizem que os filmes selecionados em Gramado nunca dão campeões de bilheteria. Considerando essa edição, em particular, eu concordaria. Mas também, que festivais de Cinema dão?
Boa parte das pessoas com que tive contato lá, estavam um tanto divididas quanto a qualidade da mostra. De fato, eu diria que os longas nacionais estavam realmente irregulares. Os maiores acertos talvez tenham sido os dois documentários exibidos, fato não muito comum - e uma surpresa muito agradável. 
Já os longas estrangeiros (lê-se latino-americanos) estão mais que de parabéns. Boa parte deles já havia sido exibida no festival de Guadalaraja (AXN não é só ação, galera), com destaque para dois que haviam estado em Berlim, um dos maiores festivais de Cinema do mundo.   
De qualquer modo, sempre penso que só o fato de assistir a um filme já vale à pena. É claro que existem lá suas exceções, e também sou suspeito em falar, mas foi extremamente válido assistir cada uma das onze obras, sem contar com os curtas (perdí a conta de quantos foram).
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Quando Sérgio Silva, o diretor de "Quase um Tango", longa que abriu a mostra competitiva, subiu ao palco, eu simpatizei com ele rápido. Ao menos pra mim, claramente ele se dedicou ao filme, foi um trabalho feito de coração. Ele queria se comunicar através dele. O que parece é que o sotaque de gaúcho do Marcos Palmeira, que interpreta o protagonista Batavo, não convenceu nem um pouco. Apesar de concordar com isso, acredito que ele tenha se esforçado no papel, sem saber que o resultado final seria esse. Aliás, falando em resultado final, o grande problema que Sérgio Silva encontrou foi justamente na direção da narrativa. Por algum motivo, quase tudo parece superficial na obra, e isso não se restringe só a sotaques.
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"Canção de Baal" obteve aplausos um pouco tímidos quando as luzes acenderam. O público estava claramente dividido, e talvez perturbado também. Por mais que a direção de Helena Ignez seja bastante precisa, como bem observou meu chará e companheiro de júri Victor Rosa, a roupagem dadaística do longa afasta mais do que atrai. Quando o filme acabou, eu só lembrava do livro "Noites na Taverna" e na minha cabeça as palavras "dadaísmo cinematográfico" apareciam. Isso é ruim? Não sei. Não sei nem se essa minha interpretação está coerente. Mas se estivesse correta, eu diria então: dadaísmo cinematográfico, com tudo que isso tem de bom e ruim.
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"Cildo" é um filme de um diretor jovem, mas que conseguiu transportar para a estética do documentário a alma da obra de Cildo Meireles; parece até que o longa foi dirigido pelo mesmo. Sem dúvidas é um filme competente, e já foi premiado por estar em Gramado.
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Perdí o discurso do Vincent Carelli, quando o mesmo apresentava seu documentário (?). Mas nunca, em nenhum outro momento do festival, isso não fez tanta falta para conhecer um pouco do realizador de um filme. Quando se termina de assistir "Corumbiara", você se sente tão íntimo de Vincent, que a sua única vontade é lhe dar um grande abraço, por toda sua bravura, trabalho, força, ou qualquer outra palavra que sirva pra classificar algo glorioso. E foi o que houve, Vincent Carelli e Marcelo, o digamos "protagonista" de seu documentário, devem ter sido os caras mais abraçados de todo o festival (em segundo lugar, o elenco de Nochuebuena, que falarei mais adiante).
Não tenho palavras para falar sobre "Corumbiara". Ouví dizer que alguns críticos acharam que ele tinha mais de reportagem e pouco de Cinema. Entendo, respeito, pode até estar certo, mas eu não consigo concordar. "Corumbiara" (vou repetir esse nome mesmo, pra que ninguém esqueça) é o longa do festival que mais reúne elementos que compõe alguma obra de arte qualquer. Você não só sente a mão de seu autor, como entra em uma ligação com ele durante as duas horas de documentário. Uma ligação íntima, conforme disse, algo louvável para um documentário - mais louvável ainda, se fosse para uma reportagem. O filme tem uma alma brasileira, que, querendo-se, pode ser percebida facilmente. Uma alma brasileira e humilde, simples, assim como o povo.
Em nenhum momento Vincent cai na tentação de ser sensacionalista ou piegas, nem de botar lágrimas nos olhos do espectador. Mesmo assim, ouví dizer que muita gente chorou com o final do filme. Só do júri, acho que uns 3.
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"Em teu nome" provavelmente foi o longa mais aplaudido do festival. Isso se dá por diversos motivos, como um forte bairrismo e também pela temática, sobre os efeitos da ditadura, mais precisamente, o exílio, que toca no espectador. Apesar disso, não se sente uma mão tão firme do realizador durante o filme, e o que vemos é uma chuva de fade-outs que atrapalha um pouco, além de também uma falta de costura melhor entre as cenas.
Ainda assim, na última imagem, quando entra na tela as pessoas reais que deram inspiração aos personagens do filme, eu também sentí uma fisgada. E, independente de quaisquer problemas técnicos-narrativos, o filme emocionou muita gente. Acho que isso faz parte da magia do Cinema. É o que importa.
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Por fim, "Corpos Celestes", um dos mais aguardados filmes dessa 37ª edição de Gramado. O nome de Marcos Jorge ("Estômago") prometia bastante, e o currículo de Fernando Severo, também. Contudo, tive a impressão que o longa não se decidiu sobre o que era. Os diretores e roteiristas pareciam não saber muito bem à o quê dar atenção, e sobre o que era a história. No fim, essa foi minha sensação: assisti a um filme sem saber exatamente que história ele queria contar. Claro que alguns defendem que Cinema não é só a história que se conta (e não é mesmo), mas quando se conta duas ao mesmo tempo, precisamos saber qual delas é a principal e qual não é, até mesmo pra saber quando e como terminá-las. Curiosamente, saí do Cinema com a impressão de que era um filme à se ver de novo...

2 comentários:

  1. filme não é só a história que se conta. mas vai tentar mostrar algo se não tiver uma boa história... (e tu sabe quem é o anônimo, é que se não for assim, o comentário não entra).

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  2. Victor, após semanas querendo comentar as tuas impressões de Gramado, finalmente tomei vergonha na cara.

    A avaliação que tu fez dos filmes nacionais casa muito com as minhas impressões, acredito que vimos e sentimos a mesma coisa com estas obras. A tua "classificação" de dadaísmo cinematográfico para o "Baal" é muito acertada, e é algo que eu não tinha relacionado. Muito bem sacado da tua parte. Eu acho o filme uma tolice -- nem uma obra-prima, nem uma coisa horrível: só uma tolice mesmo. Mas vou dar o braço a torcer, é extremamente folclórico, hehehehe.

    Eu teria palavras menos abonadoras que as tuas para o "Corpos Celestes": para mim, é uma aula de como desperdiçar recursos financeiros e tecnológicos num filme ruim. Em suma, um exemplo de como não se faz. Se não fosse a boa produção, me pareceria um filme amador em todos os seus âmbitos.

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