terça-feira, 13 de outubro de 2009

Aqui

Minha família praticamente fundou o condomínio onde moro. Não literalmente, mas praticamente desde que os primeiros tijolos começaram a ganhar forma. Isso faz uns 30 anos, e é claro, eu ainda não estava aqui (pelo menos eu acho; quem acredita em reencarnação pode argumentar).
Com exceção de cinco anos da minha vida, todo o tempo estive aqui. Muitas vezes, sinto que não tenho casa, talvez por viver fora, talvez por um certo desapego mesmo. Isso não significa que não ame Irajá; amo profundamente, não o trocaria por Copacabana ou Ipanema. Sinta eu qualquer coisa (e sentiria em qualquer lugar), é o meu lar. 
Quando você cresce com um lugar, passa a fazer parte dele, de um modo bem especial. Muitos aqui viram meu pai e seus irmãos crescerem. Agora estão vendo seus filhos, e isso me dá alguns "tios" não-oficiais. A grande verdade é que esse condomínio de 30 anos, que sintetiza um bairro inteiro (pra mim e arrisco dizer, pra muitos), representa uma espécie de família informal. É como uma cidade pequena.
Acho que quando nasci já gostaram de mim, só por carregar o sobrenome que carrego. E no momento em que disse que iria fazer Cinema, muita gente ficou feliz. Saber que um "artista" sairia daqui, devia ser um motivo de orgulho ou algo assim. Sempre achei isso muito, ainda acho e talvez vá sempre achar (entre nós aqui, às vezes choro de emoção, mas sempre convicto de que estão exagerando comigo).
Muitas vezes me encontravam nas ruas e perguntavam: "quando vou te ver na próxima novela das oito?". Eu tentava dizer que nunca viria a ser famoso, que meu destino não era a Globo, e que faria alguns filmes que ninguém provavelmente ia ver. Mas não adiantava muito. De qualquer modo, fazer Cinema tornou-se fazer algo não só por mim, mas por nós. Nada mais justo, já que como diria um dos meus grandes mestres, "se for pra fazer só pra você, escreva poesia ou faça um blog" (olha só!). "Cinema é pra todos", ele costuma dizer. 
Nesse meio tempo - de 2006, meu primeiro filme, até aqui - prometi pra muitas pessoas que elas ainda me veriam "dando certo". Eu não gosto de prometer nada, mas por um ato de carinho ou até de emoção, o fiz algumas vezes. Não sei se isso é presunção da minha parte, e espero que não, mas eu acho que elas até mereciam. Tudo isso não conta, é claro, que pra mim principalmente, meu futuro no Cinema é uma incógnita gigantesca. 
Uma das pessoas a quem havia prometido isso, se um dia chegar a acontecer mesmo, não poderá mais ver. Na verdade, esse é o grande motivo de todo esse texto kilométrico. Não sei muito bem como medir as palavras. Não sentia a morte há um bom tempo; pensava nela, como inevitável, mas não a sentia. E 24 horas depois do feriado das crianças, ela levou uma das pessoas que mais acreditava nesse meu sonho maluco. Uma das pessoas que mesmo sem ver um trabalho sequer meu, mais acreditava em mim. Alguém que eu esperava tanto poder um dia mostrar: "olha só, eu consegui!", mesmo sem saber se esse dia chegaria. 
Dizer seu nome seria mais uma lembrança da sua materialidade; prefiro lembrar dele, com aquilo que ele tinha de imaterial. E como muitos aqui, simplesmente não são capazes de abandonar suas raízes (não sei se sou um deles). Teve sua chance de ir embora, viver em outra cidade, com a família, mas não, preferiu, criticadamente, viver sozinho, mas aqui. Simplesmente porque aqui era sua casa. Aqui estão todos. Será que isso pode ser percebido? Isso pode ser medo, apego, ou qualquer coisa, mas que também é amor, é.
Ele gostava muito da minha família, muito mesmo. Gostava muito de mim também, eu sentia isso. Sentia uma consideração e um afeto maior do que recebo de alguns bons amigos, até. Eu também gostava muito dele. E agora me vem um sentimento estranho de dívida. 
Algum tempo antes de morrer, ele nos escreveu uma carta, que traduziu todo esse sentimento que carregava pela gente. Nela, além de citar cada membro da minha família (essa, a oficial), com muito carinho, me citava também como "nosso futuro grande astro" ou algo bem próximo disso. Nossa, nem tenho sequer pinta pra isso, só que essa frase carrega uma confiança tão grande, mas tão grande que me deixa sem ar, sem reação. E o que mais me comoveu foi o "nosso". "Nosso". Aqui.
Apesar de ter respondido e ter tentado demonstrar minha emoção pessoalmente, pensei em escrevê-lo uma carta, pra responder. E sempre que o via, pensava nisso. Agora não posso mais. Maldito amanhã, o grande mal do homem. Dívida dupla.
Acho que ele nunca vai saber o quanto suas palavras me motivaram e ainda me motivam. Que isso é algo que me impulsiona verdadeiramente. Que se um dia eu "der certo", uma das pessoas que irei me lembrar, será ele. Ele se foi. Agora eu entro aqui e sinto vazio; falta uma pilastra, uma casa. A idéia de nunca mais ver uma pessoa é assustadora. Eu não acredito em quase nenhum sistema religioso, e nem mesmo tenho qualquer certeza sobre um Deus, o que faz tudo ser mais intenso ainda.
Gostaria de ter escrito uma carta. Não escrevi. Escrevi isso. E agora preciso parar, pra não molhar o teclado.

4 comentários:

  1. Há Momentos

    Há momentos na vida em que sentimos tanto
    a falta de alguém que o que mais queremos
    é tirar esta pessoa de nossos sonhos
    e abraçá-la.

    Sonhe com aquilo que você quiser.
    Seja o que você quer ser,
    porque você possui apenas uma vida
    e nela só se tem uma chance
    de fazer aquilo que se quer.

    Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
    Dificuldades para fazê-la forte.
    Tristeza para fazê-la humana.
    E esperança suficiente para fazê-la feliz.

    As pessoas mais felizes
    não têm as melhores coisas.
    Elas sabem fazer o melhor
    das oportunidades que aparecem
    em seus caminhos.

    A felicidade aparece para aqueles que choram.
    Para aqueles que se machucam.
    Para aqueles que buscam e tentam sempre.
    E para aqueles que reconhecem
    a importância das pessoas que passam por suas vidas.

    O futuro mais brilhante
    é baseado num passado intensamente vivido.
    Você só terá sucesso na vida
    quando perdoar os erros
    e as decepções do passado.

    A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
    duram uma eternidade.
    A vida não é de se brincar
    porque um belo dia se morre.

    Clarice Lispector

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  2. Engraçado que quando comecei a ler o seu texto, Victor, senti que algo especial estava por vir. Existem várias pessoas especiais em sua vida, inclusive esse que acabou de partir, mas que mesmo assim não vai deixar de ser tão especial. Estou falando muito especial, mas é pq essa palavra resume o que eu quero dizer. Em uma partida fica uma lembrança e uma força também. Espero que tu esteja a carregando junto contigo, pois esse especial que se foi continua esperando o seu melhor, principalmente a sua força, assim como eu e assim como sua família. E não, tu não é pretensioso. É apenas alguém que quer dar certo, não apenas para satisfazer-se a si mesmo, mas a todos que gostam de vc, estejam aqui ou não. Continue com isso Victor, continue.

    O.B.S: Discordo com seu professor qd ele diz que poesias não são pra todos. Mas que nada! Poesia é arte, e sendo arte é pra todos. Na verdade, a escrita é pra todos, quando compartilhada. Olha só, tu apenas escreveu em teu blog, algo que tinha acabado de te acontecer, mas de uma maneiras tão sincera e delicada, que acabou me comovendo e que,querendo ou não, me fez perceber coisas diferentes. Continue a escrever, vc é bom nisso!

    Beijos

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  3. Com os pés descalços e uma intimidade respeitosa, o menino sonhava.
    Por mais que escrevesse, não conseguia dizer tudo o que queria. Amava calado. Respirava mais do que podia.
    Como numa sinfonia de luz, feito de som, misturou as palavras e as sensações.
    Tomou coragem. Inspirou fundo... E se inspirou.
    Olhou para o próprio jardim; e olhou para si mesmo. Viu cor e razão; sentiu o ar leve. Nada mais era ou seria como antes.
    A esperança era um dom que tinha e si. Tinha mil sonhos em um.

    E é por essas e outras razões que tenho orgulho. E sempre vou ter.

    Beijo,

    Luar Morena.

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  4. Lembra quando eu falei que eu não tinha escrito isso pensando em você, e no seu texto? Então... eu menti. =)

    (rs)

    Depois de um ano de convivência, posso dizer que sinto como se sempre te conhecesse. E vou carregar você e nossa amizade sempre, bem aqui comigo.

    Beijo,
    Lhuar Morena. (rs)

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